10 de janeiro:primeiras impressões sobre o Centro de Artes de Sines

+ 13 de janeiro de 2008



“O projecto inicia-se na escolha do lugar. (...).” (in www.airesmateus.com)

Construído no centro histórico de Sines, desde logo se mostra como ícone cultural e arquitectónico
num centro onde os edifícios públicos de construção contemporânea não tinham qualquer presença notória, mostra-se dinamizador daquela parte urbana, da identidade cultural de Sines, do orgulho dos próprios habitantes, eles utilizadores ou não daquele espaço. Não reúne consenso como seria espectável dado o facto de ser uma intervenção num centro histórico onde só a construção ‘de desenhador ou engenheiro’ tinha lugar nas últimas intervenções que num rápido passeio se podem ver.
O Centro de Artes localiza-se no espaço anteriormente ocupado pelo Cine-teatro Vasco da Gama ou pelo Teatro do Mar. Coincide também com o início do caminho medieval que abre a cidade à baía (Rua Cândido dos Reis) e a via de delimitação entre a cidade histórica e a cidade moderna (Rua Marquês de Pombal).
Com uma clara inspiração na materialidade do castelo, procuraram os arquitectos que fosse assim também este uma porta para o centro histórico.
Torna-se num exemplo a nível nacional e extrafronteiras pela forma respeitosa como intervém, mas assumindo a sua linguagem, a imagem formalista, num corte dinâmico com a construção envolvente.

Com as fachadas exteriores cegas em pedra lioz - apenas com pequenos rasgamentos verticais nos pisos superiores, o edifício assume um carácter introspectivo, um retiro cultural. No entanto dialoga com a cidade, com a rua, com todo o piso térreo envidraçado para a rua que atravessa o conjunto e o separa em duas partes, permitindo uma dual contemplação
entre o interior e o exterior, num gesto de convite ao usufruto daquele espaço cultural pelo transeunte. O envolvimento com o espaço que rodeia o edifício, as duas ruas em que toca, aquela por baixo da qual passa, faz-se através da utilização da mesma pedra das fachadas. Paralelo aos volumes que assumem o Centro de Artes, a ‘casa preta’, com linhas do ‘pré-conceito’ de casa com duas águas, existe a futura loja do centro.

O edifício reúne várias valências: biblioteca, arquivo municipal, auditório e, esse que no tema mais interessará, o centro de artes:espaço expositivo.
O acesso faz-se ao nível do piso térreo onde se encontra o foyer com uma sala de leitura ou o auditório. enquanto que ao arquivo e à biblioteca se acede no sentido ascendente, os espaços expositivos ocupam essencialmente os pisos inferiores ao nivel da rua.



A área de exposição soma três espaços alongados e com um pé direito baixo separados por “paredes” densamente ocupadas com valências funcionais e de apoio.
Naqueles interstícios localizam-se os acessos verticais, uma cafetaria, assim como serviços de apoio (wcs e áreas técnicas). Permitindo a circulação, as paredes têm vários atravessamentos, com um pé direito reduzido e menos iluminados, de modo a minimizar praticamente a percepção destes momentos de passagem quando em confronto com os espaços de exposição. Os percursos fazem-se aparentemente livres, mas estão sujeitos à linha de força do sentido das salas, que convidam ao seu percurso completo usando os atravessamentos nos extremos daquelas.
O pé direito nas salas varia entre espaços altos, em naves estreitas junto às paredes, permitindo
a entrada de luz natural zenitalmente até às salas, no piso inferior, e baixos onde linhas de luz dão um ‘ambiente quase imaterial’ aos espaços. Se os espaços se fazem numa proposta inesperada: não é o ‘white cube’ perfeitamente neutral, no entanto a interferência
com os objectos expostos faz-se pacífica, pelo equilíbrio entre estas variações espaciais e volumétricas e a tonalidade clara - paredes e tectos brancos e pavimentos em mármore também branco.
Existe ainda um quarto espaço, acedido por uma rampa a partir daqueles, também alongado,
não ortogonal, com um pé direito igual à altura total do edifício. Parece o culminar do percurso do visitante, onde a verticalidade assume a predominância, com iluminação zenital e as paredes completamente cegas. Aqui a visita obriga a um retorno pela mesma rampa de volta às salas inferiores.

O centro de artes pode ser encarado como um exemplo do que são os novos espaços culturais e museológicos fora das grandes cidades portuguesas: aglutinador de vários serviços, entre os quais quase sempre presente um espaço expositivo, de maior ou menor relevo, por norma sem colecção própria ou exposição permanente, num edifício e uma instituição que assim toma uma dimensão com maior visibilidade e viabilidade. Este caso é no entanto muito característico, por um lado, e do ponto de vista arquitectónico, uma vez que o projecto dá particular ênfase ao desenho das salas de exposição, das possibilidades de percurso e das percepções sensoriais que naqueles espaços se têm; por outro, enquanto museu-instituição porque muito embora haja uma ausência de colecção própria e dada a interacção com as outras valências do Centro de Artes, a parceria com instituições de maior relevo e a própria icónica do edifício, a exposição pública, a imagem institucional recebe um investimento visível e coerente - à escala da cidade -, é bastante dinâmica e convidativa ao usufruto pela população, no sentido de uma educação e democratização cultural das massas, objectivo que parece nos últimos anos animar esta instituições deslocalizadas dos grandes centros e que aqui se parece cumprir com algum sucesso.

Pretendo, com este primeiro texto estabelecer algumas ideias como premissas - ainda que embrionárias - para entender o possível contributo do Centro de Artes enquanto instituição
e enquanto edifício na compreensão do tema ‘Museus’ e das questões nele inerentes, em particular no caso português. É a perspectiva de um museu/espaço de exposição contemporâneo, construído de raiz, que cruzado com os outros casos, contemporâneos ou do passado, de raiz ou de intervenção em edifício anteriores procura completar o espectro do tema em estudo.

texto e fotos por sérgiocatumba aka aureo¨

0 comentários: